Do carrossel a playlist: uma dose de nostalgia sonora

Aos emocionados executivos da Kodak, Don Draper apresentava a campanha publicitária do projetor de slides da empresa na década de 60. Na fictícia Mad Men (episódio 13, temporada 1), a ideia de um simples projetor não trazia o apelo necessário e a brilhante ideia – executada no mundo real e levada a cabo na série – pautava que as imagens escancaradas por um projetor eram mais do que nova tecnologia; eram um carrossel, um convite a um parque de diversões em que cada parada era um afago nostálgico, uma memória eternizada e suas implicações na história de cada um. Assim é a nostalgia, um vício perigoso a qualquer um, que nunca é ruim (afinal, você já teve uma memória nostálgica que preferiu esquecer? provavelmente não) mas, se consumida na dose certa, ajuda a melhorar o presente.

Permanecem 60 anos depois da Kodak e seu projetor (e sua falência) exemplos que a tecnologia ainda nos traz de pílulas nostálgicas na medida certa. São tantos que, com frequência, nem percebemos ou dedicamos tempo. A última que consumi e vale o post, e funciona de certa forma como uma publicidade espontânea e gratuita, é o recurso que o app Shazam traz ao sincronizar as “descobertas” de músicas – àquelas músicas que você ouve em algum lugar e precisa saber o nome, artista – à players de músicas, como o Spotify. Neste streaming, a playlist automaticamente criada pelo Shazam com os sons descobertos vão sendo empilhados um após o outro. E aí, sem prestar muita atenção a isto, chega o dia em que você decide ouvir os sons e, um a um, te levam às memórias de onde você os ouviu, onde você estava (e com quem!) e, principalmente, quem você era naquele instante.

*citei o Shazam, mas provavelmente seus conrrentes disponibilizam funções similares.

A supracitada cena de Mad Men e a caixa de Pandora nostálgica que ela abre:

That’s the Real Thing: uma Coca Cola e o fim de Mad Men

 

 

Mad Men, a série que acompanhou toda a década de 60 na visão do mundo da publicidade  dos EUA (NY, particularmente) chegou ao fim de uma forma – positivamente surpreendente. Enquanto muitos apostavam na morte de Don (que seria premeditada pelo homem que cai dos arranha-céus na sequência de abertura), Matthew Weiner inova e instiga mais uma vez.

Assim como nos Sopranos e seu mítico final, Weiner, um dos produtores e roteiristas daquela série, traz a Mad Men a mesma inquietação na cena final que grava a série como um todo nas nossas mentes devido a 3 fatores:

1 – primeiro a estranheza: se em Sopranos foi uma tela preta que não sabíamos se era problema da transmissão ou não, em Mad Men  o comercial da Coca(do vídeo acima) gerou uma dúvida inicial – “qual a intenção disso?”

2 – ambiguidade: com um pouco mais decalma surge a dúvida que será eterna: toda a fuga e o retiro espiritual de Don resultou na volta dele para a publicidade para criar a campanha publicitária da Coca (que é, de fato daquela época, em 1971 e é considerada a maior obra publicitária do refrigerante da história) ou isso é só especulação e ele continuou seu caminho de paz com os hippies? (Em Sopranos a dúvida era mais simples, um “morreu ou não?”)

3 – contexto da mensagem: para isso é bom lembrar do discurso do homem no retiro espiritual, que provoca o choro de Don: a sensação de passar despercebido pelo mundo e sua família e já não saber mais ao certo o que é o amor.  Encerrar a série com um ícone do capitalismo nos remete e esse paradigma da publicidade: embora possa conter algumas verdades, é somente um negócio. Que engana os sentimentos e vontades do ser humano ao ponto de nos perdermos nas nossas certezas (algo que já se aplicava para aquele período e continua bem atual).

As luzes se apagam e a música termina: that’s the real thing ?

I’d like to teach the world to sing
In perfect harmony
I’d like to buy the world a Coke
And keep it company
That’s the real thing