Do carrossel a playlist: uma dose de nostalgia sonora

Aos emocionados executivos da Kodak, Don Draper apresentava a campanha publicitária do projetor de slides da empresa na década de 60. Na fictícia Mad Men (episódio 13, temporada 1), a ideia de um simples projetor não trazia o apelo necessário e a brilhante ideia – executada no mundo real e levada a cabo na série – pautava que as imagens escancaradas por um projetor eram mais do que nova tecnologia; eram um carrossel, um convite a um parque de diversões em que cada parada era um afago nostálgico, uma memória eternizada e suas implicações na história de cada um. Assim é a nostalgia, um vício perigoso a qualquer um, que nunca é ruim (afinal, você já teve uma memória nostálgica que preferiu esquecer? provavelmente não) mas, se consumida na dose certa, ajuda a melhorar o presente.

Permanecem 60 anos depois da Kodak e seu projetor (e sua falência) exemplos que a tecnologia ainda nos traz de pílulas nostálgicas na medida certa. São tantos que, com frequência, nem percebemos ou dedicamos tempo. A última que consumi e vale o post, e funciona de certa forma como uma publicidade espontânea e gratuita, é o recurso que o app Shazam traz ao sincronizar as “descobertas” de músicas – àquelas músicas que você ouve em algum lugar e precisa saber o nome, artista – à players de músicas, como o Spotify. Neste streaming, a playlist automaticamente criada pelo Shazam com os sons descobertos vão sendo empilhados um após o outro. E aí, sem prestar muita atenção a isto, chega o dia em que você decide ouvir os sons e, um a um, te levam às memórias de onde você os ouviu, onde você estava (e com quem!) e, principalmente, quem você era naquele instante.

*citei o Shazam, mas provavelmente seus conrrentes disponibilizam funções similares.

A supracitada cena de Mad Men e a caixa de Pandora nostálgica que ela abre:

Os meus (melhores) discos de 2020

Um ano duro e desafiador. Esse foi o 2020 que deixamos pra trás. Na modernidade líquida, arte nunca foi tão necessária e importante, seja como fuga do cotidiano difícil de encarar, seja como motor para transformar sentimentos individuais em coletivos. Assim, minha lista dos meus melhores discos de 2020 mesmo sendo (infelizmente) composta apenas com lançamentos estrangeiros, acaba sendo uma fusão de sons questionadores da realidade e de outros que exploram a alegria e a gratitude. Abaixo o top10 dos discos, daquelas obras que, se escutadas por completo, “contam uma história” completa e dão o tom do ano.

10 – Yves Tumor, Heaven to a Tortured Mind

9 – Paul McCarteny, McCartney III

8 – Phoebe Bridgers, Punisher

7 – Freddie Gibbs, Alfredo

6 – Fleet Foxes, Shore

5 – Bob Dylan, Rough and Rowdy Ways

4 – Jessie Ware, What’s your Pleasure?

3 – Run The Jewels, RTJ4

2 – Bruce Springsteen, Letter to You

1 – Tame Imapala, The Slow Rush

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E, além deste, uma menção honrosa a música que – embora o álbum não esteja no top10 da lista – mais conseguiu unir (e não dividir, feito raro!) o mundo em 2020:

Carta para você, Bruce Springsteen

Neste ano existem oportunidades de falar, pensar e demonstrar que diferem de tudo que a geração que anda sobre este planeta já presenciou. A causa – a pandemia – é uma terrível marca de 2020, mas não há outro movimento, senão o artístico que nos faz pensar de forma mais eficiente sobre o que acontece “lá fora” e “aqui dentro”. Neste contexto oportuno, o veterano Bruce Springsteen, ou The Boss para os fãs, lança seu novo trabalho, Letter to You, em 12 canções inéditas e 58 minutos, mostrando-se mais conectado ao mundo e a temas atemporais do que nunca. Além disso, traz seu exuberante tom de voz, ainda preciso e afinado, mesmo com 50 anos de carreira, construindo uma obra das mais completas e profundas na sua carreira.

Letter to You alterna entre baladas de rock com letras sensíveis a crônicas e devaneios organizados em prosa cantada, sendo a música que dá título ao álbum a de maior potencial a virar single, de ouvirmos em trilhas sonoras de filmes e séries. Mas não é somente nisso que se destaca e merece atenção: assim como outras canções do disco (Rainmaker, Song for Orphans), Letter to you – cujo trecho inicial compartilho abaixo – é uma declaração humilde e sensação de uma varredura pelo coração daquele que aparentemente tem um tom de voz arrogante.

Uma ode à reflexão, a encontrar sentido nos momentos mais conturbados na vida – íntima ou da sociedade, este álbum é um remédio que talvez nem sabíamos que precisávamos. Numa livre associação a metáfora mais acurada é a de que é como um whisky 18 anos servido com gelo: a qualidade e toda a “bagagem” estão lá, poucos chegam nesse nível; porém, há uma suavidade poética no meio de toda energia e amargor, digna de querer repetir a dose.

Os meus (melhores) discos de 2019

 

Toda a lista já feita nesse mundo traz consigo – subjetivamente ou não – um dos aspectos mais importantes da nossa existência: a capacidade de olhar para trás, de reflexão e de aprendizado. Nesta, o intervalo é curto, um ano, mas suficiente para percorrer esse tempo e tudo que aconteceu nele através do que de melhor, na minha opinião, foi lançado comercialmente na música. Ainda que a lista esteja mais focada nos álbuns internacionais, existem tantos bons exemplos de produções brasileiras e uma delas era indispensável estar nesse post.

Os meus discos preferidos de 2019:

NACIONAL

Emicida – AmarElo

INTERNACIONAL

7 – Bon Iveri,i

 

6 – Billie EilishWhen we fall sleep, Where do we go?

 

5 – FoalsEverything Not Saved Will Be Lost pt 1/2

 

4 – Nick Cave & The Bad SeedsGhosteen

 

3 – Angel Olsen, All Mirrors

 

2– Jenny LewisOn the Line

 

1 – Tyler The CreatorIgor

Os melhores discos de 2018

Wow! What a year!

Se ano passado a tarefa de elencar os melhores discos foi árdua (você lê nesse post aqui a lista de 2017), nesse ano a pretensão de resumir o ano em 5 álbuns foi pro espaço ainda no primeiro trimestre e o top5 virou top10 e, na vontade de não deixar tantos bons trabalhos de fora, virou top15.

Eis os meus discos preferidos de 2018:

15 – Soccer Mommy, Clean

14 – Jorja Smith, Lost and Found

13 – Spiritualized, And Nothing Hurt

12 – Robyn, Honey

11 – Janelle Monae, Dirty Computer

10 – Kurt Vile, Bottle it in

9 – Kali Uchis, Isolation

8 – Camila Cabello, Camila

7 – Courtney Barnett, Tell me How you Really Feel

6 – Paul McCartney, Egypt Station

5 – Arctic Monkeys, Tranquility Base Hotel & Casino

4 – The Internet, Hive Mind

3 – Mitski, Be the Cowboy

2 – Fantastic Negrito, Please don’t be dead

1 – Pusha T, Daytona

Os meus (melhores) discos de 2017

One more year. Many more songs.

Como tradição, ainda que recente, apresento minha compilação de discos favoritos do ano; um ano em que foi difícil destacar algum álbum como muito superior aos demais (diferentemente do que, na minha opinião, ocorreu em 2016, 2015 e 2014), mas que ao contrário de 99% das listas de outros sites e publicações especializadas não tem Kendrick Lamar. Por isso, o  top 5 dos meus favoritos não está ordenado.

 

The War On Drugs,A Deeper Understanding” – a cada disco o grupo liderado por Adam Granduciel melhora e fica mais difícil evitar a comparação com as fases iniciais da carreira de Bruce Springsteen. Espirituosos e inteligentes, o rock que não se prende a um subgênero e constrói nesse álbum um evolução de sons, música a música. Para ouvir no modo repeat.

Sampha, “Process” – conceitual, meditativo, uma dose de Bon Iver e uma obra de R&B/soul difícil de categorizar e fácil de ouvir de olhos fechados e com pensamentos bem longe.

Queens of the Stoneage, “Villains” – um disco para embalar e enviar como presente para aqueles que insistem em repetir a velha (e cansativa) falácia de que o rock morreu. O melhor disco do gênero, com todos elementos que um apreciador de rock espera.

Courtnet Barnnet & Kurt Vile, “Lotta Sea Lice” – quando dois dos teus cantores favoritos dos últimos anos se juntam a chance de sucesso é grande. Assim foi essa parceria entre aquela que fez o melhor disco de 2015 com o ex-Sonic Youth. Em sons que trazem uma necessidade urgente de buscar um lugar para descansar e refletir, eis o melhor disco de indie rock do ano.

Lorde, “Melodrama” – certamente o disco “pop” do ano. Qualidade na produção, originalidade no ritmo e uma raiva bem dosada nas letras e vocal da cantora.

Além destes 5 discos, alguns outros também merecem reconhecimento: Masseduction (St. Vincent), I See You (The XX), American Dream (LCD Soundsystem) e, se você gosta de ouvir músicas em francês, o excelente Rest da Charlotte Gainsbourg.

 

No cenário nacional destaque para o veterano, que agora em carreira solo, fez um dos melhores discos:

 – Paulo Miklos, “A Gente Mora no Agora”

 

 

Arcade Fire – Everything Now (2017)

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Existe certo consenso de que uma opinião só deveria ser emitida após o conhecimento do objeto de estudo. Compartilhando dessa ideia, ouvir o novo álbum do Arcade Fire, intitulado Everything Now, nas suas 10 faixas foi uma grande, mas não tão agradável, surpresa. Após quase 4 anos de Reflektor, Everything Now traz a nova fase do Arcade Fire. Quem já escuta a banda há algum tempo sabe bem que cada lançamento deles é (aos moldes do seu principal mentor, David Bowie) uma realização, isto é, vem com uma temática distinta das anteriores, é precedida por certo hype e acompanhada por mudanças não somente na sonoridade, mas até no figurino, cenário dos shows e instrumentos usados pela banda ou modo de se portar em entrevistas.

Nesta jornada de descobertas dos canadentes Everything Now é a fase dance da banda. Ainda que a execução do Arcade Fire seja, na minha opinião, mais equilibrada que outras desastrosas tentativas neste caminho (por exemplo, Jake Bugg, Kasabian e Franz Ferdinand) o som deste álbum é muito ingênuo no seu otimismo sem conteúdo, ainda mais para quem se acostumou com Funeral ou Suburbs (outros álbuns deles), que além da sonoridade mais intimista tratou de temas universais como a nostalgia da felicidade na infância e as escolhas que fizemos e seus impactos para uma vida toda.

Mas não está no ritmo – até certo ponto banal para uma banda que sempre inovou (em certos momentos deste novo álbum lembramos mais de ABBA ou Shania Twain que do Arcade Fire) –  a razão que faz deste disco uma obra dispensável: atrás de toda a preocupação por “fazer algo diferente”, de causar impacto no mundo com um ritmo quase que motivacional inserido num contexto mundial de instabilidade política, o Arcade Fire se esqueceu da sua maior qualidade: as letras que sustentavam sua ideologia. Everything Now é, em última análise, uma obra vazia de letras desconexas (se não fosse pela melodia semelhante nem seria possível dizer que eram do mesmo disco). Um experimento que atrás de toda a pesada maquiagem ideológica e de distorções eletrônicas é esquecido por quem escuta em pouco tempo.

Os melhores discos de 2016

Deixamos a pretensão dos “melhores” apenas para o título, pois uma lista deste tipo sempre quer dizer os FAVORITOS. Este foi um ano de grandes perdas para música (Bowie, Prince, Leonard Cohen) e de muitas bandas já consagradas repetindo a fórmula que os fez famosos (Rolling Stones, Nick Cave and the Bad Seeds, Iggy Pop, Kanye West). No entanto, nem isso é garantia para a qualidade. Os tempos mudam e, na minha opinião, 8 cantores/bandas se destacaram com álbuns acima da média. Numa lista que vai além de um gênero ou até mesmo da clássica distinção Nacional/Internacional estes são os melhores/favoritos do ano:

8.Angel Olsen, “My Woman” – em poucas palavras, Olsen consegue o que tantas outras (Lana Del Rey, por exemplo) não fizeram: saber que uma voz marcante ajuda, mas a música precisa de mais.

7.Beyoncé, “Lemonade” – Escute, fuja dos preconceitos ou encontre explicação racional para dizer que não gostou. O hype desse disco se justifica: Beyoncé mudou e encontrou um lugar que combina o pop que vende discos/“gera likes” com melodias e rimas únicas e não passageiras.

*O álbum está disponível somente para assinantes Tidal (nada de Youtube, Vimeo, Soundcloud) e, por isso, abaixo uma versão com mais instrumentos de percussão.

6.Criolo, “Ainda Há Tempo” – continua sendo a melhor voz (consciência social, simplicidade e objetividade) contemporânea nacional.  Simples assim.

5.Metá Metá, “MM3” – o que num instante é a brisa da calmaria lírica noutro é um furacão do rock na voz Juçara Marçal. O trio paulista mistura guitarra com saxofone na naturalidade de quem entregou o melhor disco nacional do ano.

4.Chance The Rapper, “Coloring Book” – O grande disco de Hip-Hop do ano. Parcerias bem escolhidas contribuem para uma harmonia no disco. Diversas sonoridades mas uma grande coesão na obra.

3.PJ Harvey, “The Hope Six Demolition Project” – Um disco de ativismo político, mas (embora menor que a obra prima Let England Shake de 2011) uma grande exibição de ritmo e poesia.

2.Jamie T., “Trick” – Poderia, também, ocupar o primeiro lugar dessa lista. Disco difícil de catalogar, definir uma categoria. Em todos os ritmos e variações, Jamie T. o faz com maestria rara e excepcional.

1.Elza Soares, “A mulher do fim do mundo” – o melhor, ouça agora !

*Como menção honrosa de outros bons trabalhos, na minha opinião, estão o do rapper brasileiro Rashid, dos também brasileiros e roqueiros d’O Terno, a sagacidade do Childish Gambino, o rap de J. Cole, a carta de despedida em forma de álbum de David Bowie e a sonoridade do Radiohead.

 

 

 

 

Red Hot Chili Peppers – The Getaway (2016)

Enquanto o mundo ou fala do processo de impeachment brasileiro ou do Pokemon Go ou do novo disco do Frank Ocean, com um belo atraso ouvi o novo disco do Red Hot Chili Peppers, The Getaway, já disponível em serviços de streaming, como o Spotify.

Na verdade, o quanto mais longo você encontrar/ler uma resenha sobre o disco, maior perda de tempo será (para o leitor e para quem escreveu). Certamente. Pois não há muito o que dizer depois de 13 músicas e 53 minutos. E isto sequer é uma crítica ou elogio.

Consiste num trabalho maduro, centrado e que mostra um Anthony Kiedis que “aceitou” o lugar dos Peppers (e isso se assemelha muito a Dave Grohl e o Foo Fighters atual): letra e ritmo invocam a melhor fase da banda, mas não saem de um “lugar comum” de criação ou inovação. Perfeito para quem é fã. Para quem não é assim tão ligado a trajetória da banda, sobressaem-se alguns bons singles mas ouvir o disco inteiro, sem pausas, causará uma náusea de uma grande música de quase uma hora, que anda em círculos, com alguns pontos brilhantes.

Engenheiros do Hawaii: como definir ?

 

Eis que na década de 80 os Engenheiros do Hawaii ganharam voz, saíram das fronteiras do Rio Grande do Sul e alcançaram o Brasil, nas rádios, televisões e LP’s. Isso tudo, somado as letras inconfundíveis das músicas da banda gerou (e ainda gera) uma grande dúvida sobre a qualidade das músicas. Criou-se uma cultura de “Ame ou Odeie” para o grupo de rock.

Precursores do que vemos mais recentemente com o Los Hermanos, os Engenheiros também foram pioneiros em causar no grande público essa divisão: enquanto uns achavam que ritmo e letras do Humberto Gessinger estavam entre as 7 maravilhas do mudou, outros o viam como um fanfarrão oportunista que apenas sabia fazer rima. Se até hoje essa discussão perdura, imaginem se na época existissem Twitter, Facebook e afins?

Como na música, e nas artes de modo geral, nada é definitivo e tudo é muito pessoal não há resposta certa para como classificar a banda. Creio que alçar eles ao status de gênio é algo para fãs, mas qualquer ser humano racional precisa reconhecer que a facilidade de falar sobre amor, política, guerra e alienação numa mesma música, fazendo ela soar bem, sem se tornar tediosa é algo para poucos.

Dentre vários exemplos de astúcia das composições fica o meu registro para as músicas O Papa é Pop e Perfeita Simetria, que abrem e encerram respectivamente um disco da banda (além desse post para referenciar bem) e possuem a mesma melodia, os mesmo acordes. Exatamente iguais. Apenas as letras as diferenciam, ao mesmo tempo que as tornam icônicas. Se uma fala do consumismo, da geração Coca Cola, da mídia televisiva, a outra busca solucionar um problema amoroso. E você, sabia disso tudo? Não?! Então escute as duas nesse post e compare. E nesse meio tempo decida-se: para você, qual o valor dos Engenheiros do Hawaii?